Sabe aquela frasezinha linda (e até meio brega, admito) do Pequeno Príncipe? Não? Deixa eu citar ela aqui:
Antes que pensem que lá vem minha veia romântica, antiquada e até idealista demais, fiquem calmos. Não vou levar no sentido romântico que as pessoas normalmente interpretam essa frase. Quero que você pense naqueles sermões que todo mundo um dia ouviu. Sabe a história de lidar com as suas consequências? Ou, para quem lembrar da Física, para toda ação há uma reação.
To viajando demais? Talvez. Mas entendam que é tudo parte de onde quero chegar. Há muito material sobre isso, até mesmo livros, mas é impressionante como as pessoas cada vez mais desconhecem o poder da literatura. E não, nem vou separá-la em boa ou má literatura, ou classificá-la. Então muito grosseiramente substitua literatura pela arte que quiser e vamos prosseguir.
Lembro, quando eu tinha quatorze anos, algumas primaveras atrás, e meu professor de literatura citou um livro clássico. O nome? Os sofrimentos do jovem Werther, ou Werther simplesmente. Uma obra do século dezoito, que inaugura um movimento literário chamado de romantismo. Mas nada disso fez com que eu me interessasse pelo livro, afinal, quem diabos quer ler um livro alemão do século dezoito? Antes que me apedrejem, minha eu de quatorze anos não gostava muito de literatura clássica, fruto de alguns traumas literários. Porém, algo fez com que eu logo ficasse curiosa a respeito do livro, algo que é conhecido por "efeito Werther". Era um desafio do meu professor, claramente para nos fazer ir atrás do livro, porém o que ele contou foi o seguinte. "Quando esse livro foi lançado, despertou uma onda de suicídios na Europa. Duvido que vocês consigam ler."
Tá aí. A receita perfeita. Afinal, qual melhor incentivo para uma adolescente que esse conjunto de palavras. Duvidar que eu seja capaz de algo, é colocar meu espírito em estado de desafio completo. Sou teimosa, não nego, e não gosto quando me dizem que não sou capaz de algo.
Porém, ano de vestibular, o desafio ficou esquecido entre as provas de física e matemática. Eu não esqueci o livro, entretanto. Apenas prometi a mim mesma ler mais clássicos para poder ter "densidade" para encarar algo assim. Sabe a frase do Tyrion Lannister? Algo sobre espadas precisarem de pedras de amolar e mentes precisarem de livros. Eu já pensava assim. Durante os próximos dois anos "afiei" minha mente.
Contudo, somente a entrar na universidade é que o vi. Estava lá, com uma capa dura alaranjada. Tinha cara de livro velho, mesmo sendo bem novo (a edição, não o conteúdo do livro). Eu ia entrar no meu primeiro período da universidade e tinha algumas muitas janelas entre as aulas. E por que não dizer que tinha algumas aulas muito monótonas também? Demorei mais ou menos um mês para lê-lo na íntegra. O final me deixou abalada. E eu entendi, como por um estalo, o que um livro é capaz de causar.
Para quem não conhece a história de Werther, vou fazer um resumo muitíssimo breve. Werther é um jovem comum da época que conhece Charlotte e logo é acometido por uma paixão polvorosa pela moça. Porém (sempre há um porém), Charlotte está noiva de outro e tem muitos irmãos para cuidar. Ela não pode, nem deve, abandonar tudo por Werther. E não há um plot twist quanto a isto, o noivo de Charlotte não morre, nem desiste dela. Eles não fogem, nem são felizes para sempre. O que ocorre é a dura realidade. Charlotte casa-se com outro e Werther fica dentro de um dilema moral. Todos os seus pensamentos são para a mulher que está casada com outro. É um absurdo que ele arruíne sua vida! Então, no fim do livro, Werther se mata. Por não saber viver sem sua amada e por não querer forçá-la a ficar com ele. É isto. Desculpem o spoiler (convenhamos, o livro tem mais de duzentos anos).
Lendo assim talvez alguém diga "Ok, era só isso?" ou "Por que alguém se mataria por isso?", aí é que está. O contexto, a forma como é descrito, a identificação jovens-personagem. Vamos dizer que o final do século dezoito não foi muito positivo na Europa e ler um personagem que sofre por amor e se mata por ele, parece ter tornado muitos jovens suscetíveis a fazer o mesmo. Claro, hoje o "efeito Werther" é contestado e estudado, mas vou citar outros exemplos mais modernos e mais "leves".
Durante o auge de Crepúsculo, eu ouvia muitas meninas (e também rapazes) falando sobre a questão de casamento, de esperar pela pessoa certa. E uma onda romântica começou a se espalhar. Não é nada incomum ler alguma fã de determinado livro falar "Quero um fulano na minha vida" e este "fulano" é o modelo de rapaz perfeito na imaginação dessas garotas. Com Cinquenta Tons de Cinza ocorreu o mesmo, dessa vez para uma "liberação sexual". Outros temas começaram a aparecer, temas que existiam antes de 50 Tons, mas que eram relegados ao segundo plano. Agora se falava do relacionamento abusivo entre os protagonistas, das cenas algumas vezes absurdas, de toda uma série de erros grotescos. Nessas horas, sempre aparece um fã da saga defendendo os atos do personagem. Mas como já falei em outro artigo, me sinto completamente perdida nesse mundo de bad boys.
É aqui que quero chegar. Quando a autora E. L. James escreveu sua obra, ela não se interessou por pesquisar sobre o BDSM e reproduziu muitos clichês que julgava correto. Entre os quais estão um relacionamento nada saudável entre uma "pobre moça indefesa" e um ricaço galã. Não é saudável por muitos motivos, mas o meu principal incômodo com relação a este livro é que vi muitas mulheres achando aquilo normal (Sim, falo de mulheres, não de pré-adolescentes. Pois estas sequer deveriam ter lido o livro). E, me perdoem, não é nada normal um cara falar da virgindade de uma moça como se fosse um problema. Ou estuprá-la (sim, usarei este termo) em uma cena que se transmite aquela velha ideia que "não" é "talvez", ou que dizer "não" é fazer charme.
Quando E. L. James transmite isso como sendo normal e saudável, ela passa para seus leitores exatamente essa mensagem. Do mesmo jeito que Goethe, ao fazer um romance quase autobiográfico, passou para seus leitores que a vida sem amor não deveria ser vivida. Da mesma forma que tantos e tantas nos influenciaram com suas palavras. Livros, contos, poesias, fanfics são capazes de mais que dar alento para seus leitores, transportando-os para um mundo só seu. Livros, contos, poesias, fanfics e qualquer forma de arte transmitem um pouco da nossa realidade e a levam para outras pessoas.
Por isso, não esqueçam da frase do Pequeno Príncipe.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.