Antes de começar a resenha preciso narrar o que me ocorreu
na compra deste livro. Semana de Natal, lojas movimentadas, ainda que não
estejam completamente abarrotadas. Entro na livraria, há um atendente que me
parece desocupado no fundo. Como já tenho o livro que desejo em mente,
pergunto:
“Moço, vocês têm o Frankenstein de Mary Shelley?”
“Já procurou na seção de fantasia. Essas novas versões de
clássicos devem estar por lá.”
Surpreendi-me, não nego. Acredito que se eu tivesse falado
Drácula de Bram Stoker ele não teria dito isso, ou talvez seja coisa da minha
cabeça. Respiro fundo e falo com toda a calma que consigo:
“Falo do clássico Frankenstein.”
“Ah, o clássico? Deve estar por ali” indica uma prateleira. Eu
não conheço a livraria dali, estou visitando a cidade, e mesmo que conhecesse
sou desorientada o suficiente pra saber que não ia achar. Porém, ele mostra
tanta má vontade que decido dar uma olhada e perguntar a uma moça do outro
lado.
Depois, confesso, me arrependi de tê-lo feito.
Nosso diálogo foi mais ou menos assim:
“Moça, vocês têm o Frankenstein?”
“Frank-o quê?”
“Frankenstein...
Sabe... o clássico?”
Ela me olha confusa, mas nessa altura do campeonato eu já estou
apressada demais pra emendar. Ainda assim, tenta buscar nos computadores o
nome, mas não sabe digitar. Eu não a culpo, demorei a aprender a digitar o
título mesmo e ainda me confundo vez por outra, porém ela sequer conhece o
livro. Acredito que quando uma senhora chega ao lugar ela vê na nova cliente a
oportunidade de escapar de mim. Fala que tem de atendê-la, digo que tudo bem.
Continuo por ali, na frente do computador de consulta.
Foi após alguns minutos de impaciência que decidi procurar
por mim mesma o livro. O encontrei, paguei, saí. A indignação permaneceu. E
permanece até agora, mas vamos ao que interessa.
A curiosidade com este livro me veio com o blog. Eu tenho
uma certa (e suspeita) paixão por clássicos da literatura gótica, mesmo assim
não pretendia ler o Frankenstein até, pela Taverna, passar a procurar mais
autoras em gêneros de fantasia, ficção, poesia. Então deparei-me com uma análise
que colocava o Frankenstein de Mary Shelley como um dos precursores da ficção
científica. Ora, quer coisa mais fantástica que uma mulher ser precursora de um
gênero como a ficção científica?
Tomada pela curiosidade, tentei adquirir o livro o mais
rápido e foi apenas nesse episódio narrado que o consegui. Há algo de muito
cativante sobre o Frankenstein, algo que não tem a ver com a criação de Victor
Frankenstein ou as cartas de Walton a sua irmã.
Frankenstein, o livro, nasceu de um desafio proposto por
ninguém menos que Byron, em uma reunião de verão em Genebra. Nesta reunião,
Mary Shelley era a única mulher presente, junto a seu esposo Percy Shelley. O
desafio era escrever e ler para os demais uma história de terror e Mary Shelley
o fez.
Um romance epistolar, envolvente, questionador. Por vezes,
chego a me perguntar se o monstro é o Prometeu ou o Victor, quem é mais cruel?
Um, ávido por conhecimento e reconhecimento, desafia leis imutáveis quando
decide dar vida a um corpo. Ele seleciona partes de corpos, os costura e
finalmente nasce o monstro. Porém, o Prometeu é uma criatura horrenda, cuja
descrição é fascinante.
Aliás, sobre a descrição, é necessário fazer o aviso que o
livro é de 1820 (há divergências que o colocam em 1818) e, portanto, o estilo
com o qual é escrito pode parecer enfadonho. É um livro curto, perto de outros
clássicos, e repleto de reflexões do personagem. Narrado em primeira pessoa
(entre as cartas de Robert Walton e os relatos de Victor Frankenstein) não me
decepcionou nem um pouco.
Somos apresentados, inicialmente, a Walton que escreve para
a irmã do Polo Norte. Mandando sempre notícias acerca de suas empreitadas, é
nesse contexto que Walton encontra Frankenstein, acabado e delirando, perseguindo
uma criatura gigantesca.
Esqueça o que você sabe agora sobre o monstro, ele NÃO é
estúpido como já foi representado em diversos filmes, tampouco é descuidado. O
Prometeu (o chamarei assim devido ao título completo do livro, pois, na
verdade, ele nem tem um nome próprio) é inteligente, perigoso, cativante. Sua
maneira de dialogar é impecável e muitas vezes chego a questionar em como
acreditar que ele foi autodidata por vários meses. Aprendeu a ler e a falar
inteiramente só, observando uma família e suas reações, também aprendeu sobre a
sociedade e seus costumes.
Não houve uma única vez que não me colocasse diante de
intermináveis possibilidades. Se o Victor não tivesse sido tão afoito? E se ele
tivesse cumprido o acordo que fez com sua criatura? E se o Prometeu não tivesse
agido daquela forma? Não vou continuar, pois haveria ainda mais spoilers
(existe spoiler pra um livro com quase duzentos anos?) apenas recomendo a
leitura para quem gosta de um bom clássico ou para quem quer, como eu, conhecer
mais da maravilhosa escritora Mary Shelley.
Aliás, depois de ler um pouco de sua biografia, tive vontade
de devorar todos os livros dela. Escrita apaixonante, detalhista, completa. Não
é à toa que se tornou um dos maiores nomes da literatura. E é uma pena que
ainda existam cenas como a que narrei a princípio. O que me fazem questionar se
ela é menos reconhecida por ser mulher, ou pela soma de todos os fatores de sua
vida?
Mas este assunto, prometo, ficará para outro dia. Agora apenas deixo essa obra maravilhosa indicada na nossa estante. Fiquem à vontade, puxem uma cadeira e sintam-se convidados a ler um dos precursores da Ficção Científica, Frankenstein ou o Prometeu Moderno de Mary Shelley.